quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Câncer: em latim, caranguejo... senta que lá vem história!!!!

The natural forces, which are inside you, you will be heal their diseases!

Acredita-se que foi Hipócrates (460-370 a.C.), o famoso médico grego, considerado o pai da medicina e criador da primeira escola médica instituída no mundo no século V a.C., quem pela primeira vez empregou a palavra “karkinos” para designar os tumores malignos encontrados nos seres vivos. 
Traduzido por “câncer”, em latim, esse termo significa caranguejo em nosso idioma. 
Conta a tradição que Hipócrates, ao palpar as formações malignas superficiais, julgou-as muito parecidas a esse crustáceo, pela mesma sensação que nos dá ao toque a sua dura e fria carapaça, sendo as ramificações em torno do nódulo principal muito semelhantes às suas dez patas.
Os mesmos gregos evocaram também a palavra “onkos” para designar os tumores. Termo que significa “fardo”, traz-nos a ideia de um verdadeiro peso ou carga, difícil de suportar-se, que os doentes devem transportar pela vida, sem que o desejem. 

Dessa palavra a medicina moderna formou os vocábulos “oncologia” e “oncologista”, para designar a especialidade e os profissionais que estudam e tratam os tumores, respectivamente.
Para explicar sua origem, Hipócrates seguia a tese aventada pelos gregos de modo geral. 
Segundo eles, o universo seria um composto de quatro elementos, o fogo, o ar, a água e a terra
Da mistura dessas substâncias originavam-se todos os compostos existentes em nosso mundo. 
O corpo humano seria igualmente formado por esses quatro elementos:
  1. o sangue corresponderia ao fogo
  2. a bile amarela ao ar
  3. a linfa ou fleuma à água
  4. a bile negra à terra
As diversas patologias humanas seriam então produzidas por um desequilíbrio, em falta ou excesso, desses chamados quatro humores. 
Intuía assim Hipócrates que o câncer adviria de uma produção excessiva do mais denso e agressivo dos humores: a bile negra
Desse modo, a massa tumoral seria o resultado da absorção do nocivo acúmulo desse quarto elemento. Curiosamente, também segundo os gregos, esse mesmo líquido viscoso e negro seria o responsável pela depressão. 
Essa é a razão pela qual se denominava essa enfermidade de “melancolia” – palavra então formada por “melas”, que significa negro, e “khole”, a bile.
Hipócrates havia já observado que a simples remoção do tumor principal agravava a condição do doente, levando-o ao mais rápido desenlace. Por isso, deixou-nos a recomendação: 

“Melhor não tratá-lo, porque assim os doentes vivem mais tempo”.

E você realmente sabe  o que é o câncer? 

O câncer  nada mais é do que o aumento desordenado da multiplicação celular, provocado pela ativação dos genes estimulantes do crescimento e da divisão celular, ou a perda do controle sobre essa atividade.
Complexo? Vamos lá....
Nossas células nascem e morrem em um ritmo assustador. Estudos com radioisótopos demonstram que a cada dois anos renovamos 80% dos átomos que compõem nosso corpo, comprovando-se o acelerado compasso reprodutivo de nossas entidades celulares. Por exemplo, as hemácias, as células sanguíneas responsáveis pelo transporte dos gases circulantes em nosso organismo e uma das mais pródigas em multiplicar-se, são geradas à razão de 300 bilhões de unidades por dia. Desse modo, a cada sete dias, trocamos completamente os 5-7 litros de sangue que possuímos. Os ciclos de vida, morte e reposição de nossas células são determinados, segundo o conhecimento médico atual, pelo DNA, que comandaria, em cada linhagem celular, um próprio e adequado ritmo reprodutivo. No câncer, perde-se esse controle, levando assim as células a se multiplicarem em uma cadência frenética e desregrada. Estaríamos, portanto, diante de uma doença de origem genética. No entanto, como já compreenderam os estudiosos, esses genes que desencadeiam a desordenada tara de multiplicação celular não seriam estranhos ao nosso genoma. São genes normais que adquirem, em determinada época de nossas vidas, um comportamento distorcido – o que em genética é chamado de mutação, e o gene mutante, de mutagene. Assim, a doença faz parte da natureza e seria desencadeada nada mais que por um acidente genético, uma fatídica casualidade a acometer aleatoriamente não só os seres humanos, mas todo e qualquer ser vivo. 
O aumento do ritmo de crescimento celular segue duas orientações básicas: pode dar-se de forma ordenada, ainda que aceleradamente, ou ocorrer de maneira completamente caótica. 
No primeiro caso, temos os chamados tumores benignos, os quais crescem de forma mais lenta e organizada, não comprometendo sobremodo a saúde humana. 
O segundo caso corresponde aos denominados tumores malignos, todos englobados sob a denominação geral de câncer.
A célula cancerosa, sempre ávida por crescer ilimitadamente, adapta-se com sabedoria a ambientes orgânicos muito diferentes de onde partiu, espalhando-se facilmente por todo o organismo – comportamento esse denominado metástase. Trata-se, portanto, de uma entidade aparentemente muito mais poderosa que uma célula normal, dotada da mais incrível vontade de viver e de se expandir. E no desempenho desse objetivo, ela se habilita a impressionantes perícias de sobrevivência e de domínio de suas congêneres normais.
E pode originar-se de qualquer de nossos órgãos. 
No entanto, sem que se saiba exatamente por que, alguns sítios mostram-se mais propícios ao seu desenvolvimento, como as mamas nas mulheres, e a próstata nos homens.






Busto da rainha persa Atossa

O câncer deixou vários vestígios de sua manifestação nos registros da história humana. 
atossaNa Antiguidade, o caso mais famoso é o descrito por Heródoto (485?-420 a.C.). Relata-nos o historiador grego o drama da rainha Atossa, esposa de Dario, o célebre imperador persa que governou sobre o vasto território, da Líbia ao Golfo Pérsico, no século V a.C. Atossa, que contava com 40 anos, apresentou-se, segundo Heródoto, com uma massa tumoral na mama. 
Tratada sem sucesso pelos médicos da corte de Dario, pediu ao escravo grego Democedes que lhe extirpasse o seio doente, o que precipitou sua morte.                   No entanto, há relatos ainda mais antigos do que o de Heródoto. 
Em 1862, em Luxor, no Egito, foi descoberto um papiro datado do século VII a.C.,  contendo uma transcrição dos ensinamentos do médico egípcio Imhotep (aproximadamente 2650-2600 a.C.), elevado pelos egípcios à condição de “deus da medicina”. Nesse papiro, escrito, segundo estimativas, no ano 2625 a.C., Imhotep discorre sobre 48 casos de doenças, sendo o 45º um câncer de mama. Ele o descreve como uma massa dura, fria e saliente no seio de uma mulher, acompanhado de inchaços menores espalhados ao redor, também firmes e frios ao tato. Comparando o tumor a uma hemat verde, uma fruta típica de sua época, ele finaliza seu texto considerando laconicamente: “não existe terapia”.            
O mau funcionamento (ou um funcionamento bem conjugado a despeito de mal intencionado, como veremos a seguir) dos genes está na raiz de todo câncer. No entanto, descobriu-se, não se trata de genes estranhos ao organismo, mas sim, dos próprios agentes genéticos inseridos em nossas células. Por isso, diz-se em medicina que o câncer é uma doença endógena (palavra formada por endos = interior, e gene = origem).
Desse modo, os geneticistas foram convocados ao trabalho da identificação precisa dos oncogenes (os genes cancerígenos), a fim de se permitir futuro desenvolvimento de agentes químicos eficazes, capazes de interferir na sequência de eventos produtores de tumores. Abria-se, assim, a esperança de uma cura tecnológica para a mais grave enfermidade a “constranger o pobre ser humano”.
E logo, de fato, nos últimos anos do século passado e primeiros de nossa era, foram reconhecidos vários oncogenes
geneticistas modernos descobriram que as mutações que levam ao desenvolvimento do câncer não são simples modificações em um único gene, mas envolvem complexas alterações em intricados grupos de genes. Além disso, verificava-se que o sequenciamento genético dos tumores não se dá ao acaso, mas faz-se segundo uma ordem lógica e concatenada. Diversas mutações se combinam perfeitamente para produzir um resultado que, ao que tudo indica, está bem determinado e conhece seu objetivo: produzir um grupo de células ávidas por crescer, reproduzir e adaptar-se à sobrevivência nos mais diferentes ambientes orgânicos, como se almejassem nada mais que assumir o comando do próprio organismo onde se assentam. Trata-se de uma finalidade muito bem planejada que não se pode explicar por simples mutações casuais, pois, de modo geral, adulterações impostas ao acaso ao genoma terminam simplesmente por inviabilizar o funcionamento da célula – ao contrário do que ocorre no processo oncogênico.
No câncer de mama, por exemplo, já foram identificados 127 sequenciamentos mutacionais muito bem concatenados, as chamadas mutações condutoras, que desempenham papel fundamental na oncogênese7. Além do mais, novas mutações são criadas pelo tumor, à medida que ele avança, a fim de serem vencidos certos obstáculos, como a formação de uma vasta rede sanguínea de abastecimento do tumor (angiogênese) e a criação de mecanismos de resistência às drogas desenvolvidas pela inteligência humana. Isso faz do câncer uma verdadeira e inteligente heterogeneidade genética. Na atualidade, a ciência humana arvora-se em desvendar toda a trama genética dos tumores, perseguindo com ardor o chamadoAtlas do Genoma do Câncer – assim como o Projeto Genoma Humano fizera com nosso código genético normal. Os olhos modernos dirigem-se agora para a oncologia molecular, capaz de identificar, como o vem fazendo, as peculiaridades genéticas dos tumores, para então atacá-los em seus pontos frágeis com medicamentos e procedimentos altamente específicos, alcançando assim melhores chances de impor um controle definitivo à doença.
A célula cancerosa, a despeito de seu comportamento aparentemente desordenado, segue algumas regras básicas. Suas mutações genômicas, que são muito numerosas, executam alterações conjugadas em uma sequência lógica, determinando trajetórias genéticas altamente intricadas. Enquanto alguns genes mutantes inibem, outros estimulam funções celulares, em uma ação coordenada e inteligente que curiosamente termina por produzir o efeito desejado: o crescimento ilimitado e o domínio de todas as reservas orgânicas. Trata-se, portanto, de umacomplexidade mutacional que conhece finalidades a serem alcançadas e não de alterações aberrantes e casuais em um único segmento do nosso DNA.
E, de forma intrigante, sem que se conheça exatamente o motivo, as células cancerosas são dotadas de uma refinada sabedoria que as leva a sobreviver em ambientes muito diferentes daqueles em que foram geradas. Criam resistências ao ataque das células sadias, e aos medicamentos que se desenvolvem para combatê-las. Podem se espalhar pelo organismo, invadindo qualquer sítio, mas parecem escolher locais reservados para se desenvolverem mais à vontade – muitos tumores, por exemplo, terminam por se assentar no resguardado sistema nervoso central, protegido pela chamada barreira hematoencefálica, onde dificilmente podem ser atacados pelo sistema imunológico ou os quimioterápicos. Cuidam de gerar uma vasta rede de vasos sanguíneos extras, a fim de ter assegurado o aporte de nutrientes para suas sempre ávidas células – a angiogênese tumoral. E um sábio mecanismo genético, denominado ampliação, multiplica a ação dos oncogenes, propiciando aos tumores maior agressividade, tornando-os praticamente imbatíveis pelo organismo e altamente resistentes às drogas antineoplásicas.
Vê-se, assim, que, na aparente desordem do câncer, há princípios organizacionais e um claro objetivo a ser cumprido, cujas origens desafiam a compreensão humana. Esses fatos levaram muitos pesquisadores a suspeitar da existência de hierarquias mais profundas e superiores produzindo o câncer, da qual poderia derivar a complexa e bem concatenada sequência mutacional que orienta a sua formação.
Por isso hoje se pergunta se a batalha contra o câncer deve seguir o caminho tecnológico, penetrando cada vez mais nos mecanismos genéticos da intrigante enfermidade. Não estaríamos combatendo nada mais que as consequências e não as verdadeiras causas dos tumores? Não vale questionar a existência de um comando central que tanto criaria quanto manteria o funcionamento normal de nosso código genômico? Nesse caso, a doença poderia ter sua origem nessa direção superior, que, uma vez adulterada, induziria ao sequenciamento lógico observado na mutagene tumoral.
Com certeza continuaremos a carregar o pesado fardo de “onkos” até o dia em que compreendermos que a doença está consolidada como uma perturbação da própria natureza humana e mesmo da vida na Terra. E dispormo-nos a modificar substancialmente as reais e mais profundas causas que desencadeiam a indesejável ocorrência de “karkinos” em nossas vidas.

Fonte: www.gilsonfreire.med.br

O Câncer na Visão de Pietro Ubaldi

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Por Gilson Freire
(Palestra proferida no XIX Seminário Pietro Ubaldi, no dia 4 de agosto de 2012, em Belo Horizonte, MG e repetida no XV Congresso Brasileiro Pietro Ubaldi, em Rio Verde, em agosto de 2013 - se desejar assisti-la acesse:

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